Silêncio e olhares de fuga, aqueles de alunos que ficam se escondendo do professor para não serem chamados à resposta, foi o que seguiram a pergunta que não quer calar...
É engraçado, essa rotina de trabalho intensa; a busca pela plasticidade corporal, o descobrimento de ações físicas, os textos para escolher e decorar, as tragédias para ler, a prova para estudar, o fichamento para fazer, os projetos paralelos, os... , as..., e... seu corpo dói, sua cabeça está cansada, mas você está feliz, afinal, está fazendo o que sempre quis. A dor e a exaustão trazem uma sensação boa de dever cumprido, mas aí vem a pergunta, o silêncio e a dúvida.
Certa vez, depois de um desabafo cansado, um amigo me acalantou dizendo: a vida é assim, você tem que trabalhar, tem que acordar cedo, ser bom no que faz, ganhar dinheiro, poder ter um plano de saúde e poder, também, pagar um para os filhos que você pode vir a ter, se você ganha mesada, sua mãe não vai durar para sempre, e nem é isso que você quer, ou é? Então se acostume com a correria, uma hora não dói mais. De fato, nem dói mais, mas, tudo isso pra que?
O médico cuida da sua saúde, o engenheiro constrói o apartamento que você mora, o advogado tira você da cadeia, até o político, se não for corrupto, cuidará do seu bem-estar, e o ator? Afinal, Para que serve o teatro?
Ingênua e genuinamente sempre quis mudar o mundo, fazer um mundo melhor, mais justo, com pessoas mais justas, mais sensíveis, mais felizes. O teatro seria o veículo ideal para a disseminação desses ideais, o que seria mais perfeito do que reunir um grupo de pessoas com pensamentos pares e mudar o mundo através da arte? Cutucar a sociedade, despertar as pessoas que vivem suas vidas como robôs, no automático, não olham para o lado, não fazem amor, não são felizes e tentam “comprar” a sua felicidade.
Foi então, que numa discussão a cerca da necessidade do teatro, meu orientador disse que o teatro não mudava nada, justificando propondo um reposicionamento do meu olhar, perguntou o que acontecia quando eu visitava uma galeria de arte, se ao ver um quadro aquilo mudava minha vida, se depois de ver um filme eu não apenas ficasse tocada, mas de fato passasse agir diferente... não deve ter pingado em ninguém pois fiquei bem murchinha depois desse balde de água fria que me jogaram por cima. Murcha, mas não resignada, é exatamente a realidade que não nos satisfaz que queremos e devemos mudar.
Sim, tive que concordar; um quadro, um filme, uma peça não muda minha vida, mas então como explicar que filha de mãe médica, pai médico, padrasto médico, irmãs médicas, dindo médico, sem nenhum estímulo ou contato com arte além de fraquíssimas aulas de educação artística no ensino fundamental, que mais são um momento de recreação pra “encher lingüiça” no currículo escolar, sem nenhuma pré-disposição a mudar ou ser mudada, constrói uma aptidão tão grande por teatro e arte? Freud explica? Prefiro acreditar que não uma, mas duas ou três peças, quadros, filmes, músicas e principalmente pessoas podem sim, mudar uma vida.
A pergunta que não quer calar não encontra agora nem tão cedo encontrará uma resposta. Por enquanto sigo com a minha visão romântica de teatro, exercitando meu corpo e minha mente para mudar, sim, a sua vida, como um vírus que está só a espera da sua resistência baixar para tomar conta de todo o seu corpo. Quer se contaminar?
*dedico esse post a duas professoras que de repente nem tem idéia de quanto foram importantes na construção da minha personalidade, Tânia (física) e Marise (matemática).
Texto de Martha Grill