quarta-feira, 24 de outubro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Pós-Fausto e o Teatro Precário


MANISFESTO POR UM TEATRO PRECÁRIO, por Adriano Moraes

 
         As ideias de teatro, teatralidade, performance, performatividade têm sido debatidas há mais de duas décadas de forma efusiva. Cenas em que as ações representadas se aproximam de modo muito próximo à realidade não causam mais um estado de choque nos nossos espectadores. A cena, num contexto de hiperlinks, cyber cultura, informacionista e por isso mesmo menos reflexivo em função da velocidade com que nos chegam informações as mais variadas, se torna cada vez mais o lugar do exercício daquela solidão em público da qual tratou Stanislavski. Assim, ao ator cabem dois caminhos principais: 1. enveredar-se pelo espetáculo, isto é, pelo jogo social do qual se vale a indústria da arte para fazer do teatro também um produto pret-a-porter; ou 2. manter em seu ofício naquilo que é mais sagrado na arte efêmera do teatro, a saber, o seu desempenho sincero frente a espectadores.
         No primeiro caminho o ator se torna um produto do gosto de empresas, de modismos (mercantis ou acadêmicos), de si próprio em função de sua falta de exercício técnico e pela vontade de aparecer mais do que a de realizar uma ação sincera e profunda. O segundo caminho é muito próximo daquilo a que Grotowski denominou de ator santo. Um sujeito que se dedica ao diálogo com sua cultura ancestral e nisso descobre-se como sujeito portador de uma memória da humanidade. Como ator santo não representa aquilo que o gosto exige, mas aquilo que lhe é vital. E vital aqui quer dizer sincero, real, carnal. Na carnalidade exposta o ator se apresenta como o homem que faz da vida uma prece e assim se apresenta como temporário, como não possuidor de verdades absolutas, mas como um sujeito que encara sua própria precariedade a precariedade de toda a sua vida.
         Pensar em teatro precário, portanto, quer dizer que o que fazemos não busca agradar o gosto, mas evidenciar a ação naquilo que ela tem de mais insegura: sua finitude. A ação, desse modo, não pode mais ser dramática, pois não há continuidade possível: o que se apresenta é um jogo composto de movimentos, silêncios, rupturas, equilíbrio e desequilíbrio. A precariedade, como uma prece a si mesmo, busca num longo exercício de revisitação daquelas estruturas matriciais (maternais, patriarcais, enfim, culturais) que nos autoriza a dizer “sou”. O que ocorre, entretanto, em um teatro precário é que o “sou” não é estável, mas, cedendo lugar ao “estou”, revela a efemeridade mais ingênua da própria arte do teatro presente em todas as culturas, mesmo que em uma ínfima parte da infância de todos nós.
                                      Precário quer dizer desnudo. Precário quer dizer inteiro.
 
         O Fausto, mito próximo ao de Prometeu, por possuir em sua estrutura principal o desejo de domínio do conhecimento pelo homem em detrimento do poder divino, serve de lugar para o exercício dessa precariedade. Mais do que o Fausto moderno, o Pós-Fausto ou o Fausto Pós-moderno, é o sintoma de um homem que, imerso em fluxos cada vez mais vultosos de informações, decide pelo mergulho em si mesmo como forma de manter vivo no homem aquilo que lhe é sempre novo: o contato com o mistério de sua finitude.

TEATRO PRECÁRIO E A INTERPRETAÇÃO DO PÓS-FAUSTO, por Elias Pintanel
A solidão do ator só é completa quando há o encontro do ator com o espectador. Neste momento é que o efêmero pode acontecer. O ator trabalha para que no momento desse encontro tudo convirja para que o seu ato, perante aos outros, seja o mais vivo possível. O ator, como diz Grotowski, sacrifica-se perante o espectador. Com toda a sua fragilidade, com todos seus medos, com todos seus músculos, com cada respiração. Naquela pequena área de jogo o ator utiliza toda a sua força para poder se aniquilar. Desgastar-se. Morrer.
A interpretação começa a partir do trabalho sobre si mesmo. É neste momento que o ator começa a entrar em contato com aquilo que ele deve romper ou conviver. Tudo o que constitui o ator faz parte de sua interpretação. Inclusive da sua própria. O “sou/estou” não é definitivo, é como o teatro que é efêmero: vivo para renascer sempre outro.
         Pós-Fausto é como um duelo. De um lado um sujeito com todas as suas máscaras criadas, de carne e osso. Do outro lado, mas não oposto, os mesmos ossos e carnes. O duelo é frequente. O mesmo sujeito lutando contra si mesmo. A cada duelo uma máscara é arrancada e outra surge. Outra se mancha de sangue e ganha uma cicatriz permanente. De cada duelo que é travado surge um mistério: qual foi a máscara desta vez?