MANISFESTO POR UM TEATRO PRECÁRIO, por Adriano
Moraes
No primeiro caminho o ator se torna um
produto do gosto de empresas, de modismos (mercantis ou acadêmicos), de si
próprio em função de sua falta de exercício técnico e pela vontade de aparecer
mais do que a de realizar uma ação sincera e profunda. O segundo caminho é
muito próximo daquilo a que Grotowski denominou de ator santo. Um sujeito que se dedica ao diálogo com sua cultura
ancestral e nisso descobre-se como sujeito portador de uma memória da
humanidade. Como ator santo não
representa aquilo que o gosto exige, mas aquilo que lhe é vital. E vital aqui
quer dizer sincero, real, carnal. Na carnalidade exposta o ator se apresenta
como o homem que faz da vida uma prece e assim se apresenta como temporário,
como não possuidor de verdades absolutas, mas como um sujeito que encara sua
própria precariedade a precariedade de toda a sua vida.
Pensar em teatro precário, portanto,
quer dizer que o que fazemos não busca agradar o gosto, mas evidenciar a ação
naquilo que ela tem de mais insegura: sua finitude. A ação, desse modo, não
pode mais ser dramática, pois não há continuidade possível: o que se apresenta
é um jogo composto de movimentos, silêncios, rupturas, equilíbrio e
desequilíbrio. A precariedade, como uma prece a si mesmo, busca num longo
exercício de revisitação daquelas estruturas matriciais (maternais,
patriarcais, enfim, culturais) que nos autoriza a dizer “sou”. O que ocorre,
entretanto, em um teatro precário é que o “sou” não é estável, mas, cedendo
lugar ao “estou”, revela a efemeridade mais ingênua da própria arte do teatro
presente em todas as culturas, mesmo que em uma ínfima parte da infância de
todos nós.
Precário quer dizer desnudo. Precário
quer dizer inteiro.
O Fausto, mito próximo ao de Prometeu,
por possuir em sua estrutura principal o desejo de domínio do conhecimento pelo
homem em detrimento do poder divino, serve de lugar para o exercício dessa
precariedade. Mais do que o Fausto moderno, o Pós-Fausto ou o Fausto Pós-moderno, é o sintoma de um homem que,
imerso em fluxos cada vez mais vultosos de informações, decide pelo mergulho em
si mesmo como forma de manter vivo no homem aquilo que lhe é sempre novo: o
contato com o mistério de sua finitude.
TEATRO PRECÁRIO E A INTERPRETAÇÃO DO PÓS-FAUSTO, por Elias Pintanel
A solidão do ator só é
completa quando há o encontro do ator com o espectador. Neste momento é que o
efêmero pode acontecer. O ator trabalha para que no momento desse encontro tudo
convirja para que o seu ato, perante aos outros, seja o mais vivo possível. O
ator, como diz Grotowski, sacrifica-se perante o espectador. Com toda a sua
fragilidade, com todos seus medos, com todos seus músculos, com cada
respiração. Naquela pequena área de jogo o ator utiliza toda a sua força para
poder se aniquilar. Desgastar-se. Morrer.
A interpretação começa a partir do trabalho sobre si mesmo. É neste momento que o ator começa a entrar
em contato com aquilo que ele deve romper ou conviver. Tudo o que constitui o
ator faz parte de sua interpretação. Inclusive da sua própria. O “sou/estou”
não é definitivo, é como o teatro que é efêmero: vivo para renascer sempre
outro.
Pós-Fausto é como um duelo. De um lado um sujeito com todas
as suas máscaras criadas, de carne e osso. Do outro lado, mas não oposto, os
mesmos ossos e carnes. O duelo é frequente. O mesmo sujeito lutando contra si
mesmo. A cada duelo uma máscara é arrancada e outra surge. Outra se mancha de
sangue e ganha uma cicatriz permanente. De cada duelo que é travado surge um
mistério: qual foi a máscara desta vez?
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